Introdução
Agir é o que separa um jogo de um filme. É o que nos coloca na pele do protagonista e nos permite experienciar a narrativa do ponto de vista dele.
Neste artigo, falaremos sobre Ações, o elemento mais importante no design de mecânica de jogos.
Este artigo foi escrito baseado no capítulo 12 do livro "Tenth Anniversary: The Art of Game Design - A Book of Lenses" ("A Arte de Game Design - Um Livro Sobre Lentes", edição de aniversário de 10 anos), de Jesse Schell.
Falaremos sobre Ações Básicas e Ações Estratégicas, num contexto de sistema interativo de jogabilidade emergente.
O que são as Ações?
Ações são os "verbos" do jogo, são as maneiras pelas quais o jogador pode interagir com ele. Podem ser divididas em duas categorias: as Básicas e as Estratégicas.
Ações Básicas
As Ações Básicas, são as ações imediatas que o sistema do jogo permite ao jogador executar, a fim de interagir com o sistema; são os controles do jogo.
Andar, pular, correr, atirar e recarregar, são alguns exemplos de ações básicas que um jogador pode executar dentro de um FPS.
Neste exemplo, você pode até matar um inimigo, mas a ação que você executou não foi "matar", mas sim "atirar".
As Ações Básicas, são os meios imediatos que os jogadores têm para alcançar os fins que desejam. Você usou o meio "atirar" para alcançar o fim "matar".
Outro exemplo é o Xadrez. Nele, você pode mover uma peça por vez, sendo o "mover", o meio imediato para se alcançar um fim (deixar o oponente em xeque).
Ações Estratégicas
Ações Estratégicas, são ações que tem significado no panorama geral do jogo; são conjuntos de Ações Básicas, agrupadas de forma a serem meios menos imediatos para se alcançar os fins desejados.
Seguindo o exemplo do Xadrez, você pode planejar e executar uma sequência de movimentos, de forma a chegar mais perto do xeque.
Ou, seguindo o exemplo do FPS, você pode planejar e executar uma sequência de Ações Básicas, como "correr", "atirar" e "recarregar", para alcançar o fim desejado, que pode ser matar um boss, ou algo do tipo.
Outro exemplo do Xadrez, seria sacrificar uma peça sua, para comer uma peça mais importante do oponente. O verbo "sacrificar", não é uma ação básica, não é um controle do jogo, não vem escrita no "manual do xadrez".
Se trata de uma Ação Estratégica, visto que o jogador se utiliza de uma Ação Básica ("mover"), tendo em vista o panorama geral do jogo, a fim de alcançar um objetivo.
E, não é porque essa ação não está no manual, que ela não faz parte da jogabilidade do sistema.
Ações Estratégicas emergem naturalmente das relações possíveis entre as Ações Básicas; são frutos da jogabilidade emergente.
Jogabilidade Emergente
O que é?
Jogabilidade emergente, se trata da jogabilidade que se forma através das diferentes combinações de Ações Básicas, de forma a dar todo um novo sentido para o jogo.
Tais combinações são as Ações Estratégicas, que permitem ao jogador que se utilize da criatividade, na hora de combinar as Ações Básicas, para se alcançar um fim significativo no panorama geral do jogo.
A característica fundamental por trás de todo jogo bom é a jogabilidade emergente.
As Ações Básicas e as Regras são o solo fértil, no qual a criatividade pode florescer livremente.
Diferentes combinações produzem diferentes resultados, e o processo de descoberta é um dos fatores que podem trazer diversão para seus jogadores.
Lembrando que é trabalho do designer antever as combinações que podem quebrar o jogo.
Muito teste com os jogadores e muitas horas quebrando a cabeça para descobri-las, são essenciais para garantir a integridade do jogo.
5 Dicas Para Uma Jogabilidade Emergente
Schell, o autor do livro que este artigo usa como base, listou 5 dicas para nos ajudar a preparar o solo no qual os jogadores poderão plantar sua criatividade:
1. Adicionar mais verbos
Isto é, adicionar mais Ações Básicas. As Ações Estratégicas aparecem quando as Ações Básicas interagem entre si, com os objetos e com o espaço do jogo.
Ao adicionar mais Ações Básicas, os jogadores terão mais oportunidades para interação e, portanto, para a jogabilidade emergente.
Mas isso não quer dizer que você deve encher seu jogo com um monte de Ações Básicas quaisquer.
Quanto mais dessas ações você colocar em seu jogo, mais confuso ele vai ficar para o jogador e mais difícil vai ser de prever os resultados que podem quebrar o jogo.
Tenha sempre em mente que a razão entre Ações Estratégicas e Ações Básicas é muito mais importante do que o número de Ações Básicas por si só.
É melhor adicionar uma única Ação Básica boa e coerente com a totalidade de seu jogo, do que adicionar um monte de ações medíocres.
2. Verbos que podem agir sobre muitos objetos
Segundo Schell, esta é a coisa mais simples e poderosa que você pode fazer para tornar um jogo elegante e interessante.
Dar ao jogador o poder de atirar em um inimigo é legal, mas é muito mais legal quando esta mesma arma pode destruir objetos, quebrar partes do cenário, destruir plataformas sobre as quais se encontram diversos inimigos, explodir veículos, etc...
Mesmo que a Ação Básica seja a mesma ("atirar"), o número de Ações Estratégicas possíveis subiu.
Agora, você não tem que, necessariamente, atirar no inimigo para matá-lo; você pode se utilizar de sua criatividade para matá-lo de muitas formas possíveis, através da mesma Ação Básica.
3. Objetivos que podem ser atingidos de mais de uma maneira
O exemplo acima descreve bem esta dica. É ótimo que o jogador possa fazer muitas coisas em seu jogo, dando a ele diversas ações, e cada ação permitindo interações com diversos objetos.
Mas, se o objetivo só pode ser alcançado de uma única maneira, o jogador não terá estímulo algum para buscar novas combinações, interações e estratégias.
Se, ao invés de atirar no boss, você pode atirar no teto, de forma a destruí-lo e matar o boss esmagado nos escombros; ou até mesmo se utilizar de alguma estratégia para prender o boss sem ter que matá-lo, são exemplos de estratégias que agregam valor e diversão ao seu jogo.
Isso aumenta muito o fator replay, que é a probabilidade do jogador voltar a jogar seu jogo. Cada vez que ele jogar, ele pode aderir a uma estratégia diferente.
O problema é que isso dificulta o processo de balanceamento do jogo, pois, sempre que uma estratégia se mostra evidentemente mais fácil do que as outras, ela passa a ser a estratégia dominante e os jogadores naturalmente seguem neste caminho.
Mas balanceamento é um tópico para um outro artigo. Fique antenado no blog porque logo terá um artigo sobre.
4. Muitos sujeitos
Se o Xadrez fosse composto apenas de apenas um peão e um rei de cada lado, não teria a mínima graça, pois seria extremamente monótono devido a falta de variedades e de estratégias possíveis.
Ao ter muitas peças, além de uma variedade de diferentes movimentações possíveis, o jogo fica mais dinâmico, pois agora você pode sacrificar peças, pode montar armadilhas, etc.
Via de regra, segundo Schell, o número de Ações Estratégicas resulta da seguinte "fórmula":
Num. Ações Estratégicas = Número de Sujeitos X Número de Verbos X Número de Objetos.
Quanto mais Objetos interativos, Ações Básicas que interagem com objetos e com sujeitos, e Sujeitos que executam tais ações, maior é o número de estratégias possíveis.
Essa dica (e fórmula) não vale para todos os jogos, mas deve ser considerada na hora de se fazer o design de um jogo.
5. Efeitos colaterais que mudam restrições (aspectos) do jogo
Quando você está atirando em um inimigo, provavelmente ele está se protegendo dos tiros. Em outras palavras, você restringiu a ação "atirar" dele, visto que se ele for atirar em você enquanto você atira nele, ele será baleado.
É nesse sentido que o autor se refere as restrições. O efeito colateral da sua ação "atirar", neste caso, é a restrição da ação "atirar" do inimigo.
Ou até mesmo no jogo de Damas, no qual, cada vez que você movimenta uma peça, você não muda somente as peças que você pode capturar; você muda, também, as casas para as quais seu oponente - e você -, podem mover peças, mudando o curso das Ações Estratégicas de ambos.
Ao mudar múltiplos aspectos do jogo através de uma Ação Básica, você abre espaço para diversas Ações Estratégicas, o que tende a deixar o jogo mais interessante.
As Lentes da Jogabilidade Emergente
Quantos verbos meus jogadores têm?
Quantos objetos cada verbo pode afetar?
Quantos caminhos diferentes existem para se alcançar os objetivos?
Quantos sujeitos o jogador controla?
Como os efeitos colaterais mudam aspectos do jogo?
As Lentes da Ação
Schell nos deixa algumas perguntas, a fim de nos ajudar a pensar sobre as ações básicas e estratégicas em nossos designs.
Quais são as ações básicas no meu jogo?
Quais são as ações estratégicas?
Quais ações estratégicas eu gostaria de ver no meu jogo? E como proporcionar o ambiente no qual ela irá emergir?
Quais ações os jogadores gostariam que pudessem fazer em meu jogo, mas que eles não podem? Como posso torná-las possíveis na forma de ações básicas ou estratégicas?
Segundo Schell, saber decidir as ações em nossos jogos é de fundamental importância para o designer de jogos. Cada mínima alteração desencadeará uma série de efeitos, dentre eles diversos efeitos não planejados.
É com tentativa e erro, com análise, estudo e teste com jogadores, que aprendemos a balancear e antever consequências - pelo menos em algum grau - antes de alterarmos as ações em nossos jogos.
Conclusão
Ações são a ponte entre o jogador e o mundo do jogo, são os meios através dos quais as intenções são transportadas e informadas ao sistema do jogo.
Projetar boas ações básicas é essencial para se fundamentar uma jogabilidade emergente de qualidade.
Uma boa ação básica é aquela que pode ser usada sobre muitos objetos, de formas únicas e variadas, abrindo um leque de opções estratégicas para o jogador escolher.
Ação estratégica é uma ação que, por meio de uma ou mais ações básicas, busca alcançar um objetivo estratégico no panorama geral do jogo.
Cada um desses objetivos deve ter mais de uma forma de alcança-lo. Ou seja, mais de uma ação estratégica para que se possa completar o objetivo.
Lembrando que: sempre há uma estratégia notoriamente eficiente, chamada de estratégia dominante.
Caso o jogo não seja bem balanceado, os jogadores não se sentirão incentivados a buscar outras estratégias, permanecendo majoritariamente na estratégia dominante.
Ao explorarem as diversas estratégias possíveis, os jogadores estarão construindo uma jogabilidade "única", individual a eles.
Através do controle direto sobre as ações básicas, tem-se o controle indireto sobre as ações estratégicas. E, o conjunto destas últimas, compõe a jogabilidade emergente.
Referências
Em Texto:
"Tenth Anniversary: The Art of Game Design - A Book of Lenses", Jesse Schell
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Nosso último artigo: Guia de Mecânica no Design de Games [PARTE 3: Objetos]
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