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Estado de Flow: Como funcionam os jogos envolventes?

Atualizado: 22 de abr. de 2022


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"Water can flow or creep or drip or crash. Be water, my friend." - Bruce Lee

Você já sabe fazer jogos; já abriu a Unity, criou umas fases, fez um protagonista legal , mas encontrou o seguinte problema: o seu jogo é chato e seus amigos só o jogam porque você insiste.


Como resolver isso? Descubra neste artigo!


Com certeza você sairá sabendo como construir um jogo envolvente. E melhor ainda: saberá qual é o mecanismo por trás dos jogos envolventes e como utilizar isso, inclusive, na vida pessoal e profissional para se tornar uma pessoa mais feliz e produtiva.


 

Você abre o jogo, entra em uma fase e, quando você percebe, já é madrugada e já passou da hora de você ir dormir. Quem nunca passou por algo assim?


É uma sensação estranha na qual o tempo parece passar mais devagar, sua mente está muito focada na tela e parece não existir separação entre o que você pensa e acontece no jogo. E vai mais além: você perde a noção de si, perde a autoconsciência por todo o momento em que está jogando. Você se torna um só com o jogo, tudo o que existe é essa interação. Nada mais importa.


Fase após fase você sente que está progredindo cada vez mais, se tornando mais habilidoso e derrotando com cada vez mais facilidade os chefões que antes você temia.


Qual é o nome desse estado mental tão poderoso?


Estado de Flow. Um estado mental no qual você está tão profundamente imerso em uma tarefa que passa a ignorar completamente o mundo exterior. É um estado de profunda felicidade e sintonia com si mesmo. É uma sensação de êxtase tão poderosa, que pode nos fazer esquecer até mesmo de nossas necessidades mais básicas. Mas que, ao mesmo tempo, nos permite produzir tanta coisa em tão pouco tempo, com uma qualidade tão acima do esperado e com essa sensação tão boa de completude, que uma vez que dominado, pode ser usado como uma ferramenta de autotransformação extremamente poderosa.


Seja no trabalho, seja no videogame, todo mundo já entrou neste estado mental. O que você não sabe é que isso pode ser utilizado para diversas coisas, como por exemplo: manter os jogadores imersos em seu jogo, melhorar a sua produtividade, diminuir o tempo necessário para alcançar seus objetivos, dentre outras coisas.


Mas o que é o Estado de Flow?


(https://www.ted.com/talks/mihaly_csikszentmihalyi_flow_the_secret_to_happiness?language=pt-br)


A Teoria Psicológica do Fluxo, como é chamado em português, foi pensada e desenvolvida pelo Mihaly Csikszentmihalyi, um psicólogo e professor que teve esse insight ao estudar a felicidade e criatividade.


Ele descobriu que os melhores desempenhos de artistas, atletas, e até mesmo cientistas, foram produtos deste profundo estado de êxtase, no qual os mesmos tiveram de lidar com desafios ligeiramente maiores do que suas habilidades, mas que, ao superá-los, lhes proporcionava um feedback positivo instantâneo por causa do aprendizado adquirido e do objetivo alcançado, lhes dando a motivação necessária para seguir para o próximo desafio, que por sua vez acarretaria neste mesmo efeito. Isso é um ciclo de feedback positivo.


Assim como mencionei no post sobre o processo de Design Iterativo (Leia a seguir), ciclos, se mal utilizados, são perigosos, pois em sua máxima, são eternos. E, por isso, é necessário definir um objetivo antes de entrar no ciclo, pois este será sua saída do mesmo.


Permita-me fazer um paralelo com um conhecimento poderoso que me permitiu estar aqui escrevendo este blog: o ciclo da rotina, contido no livro "O Poder do Hábito"


Rotinas são um conjunto de ações, que por sua vez são ativadas por gatilhos (chamaremos de deixas) e motivadas por recompensas. Por exemplo: você quer uma saúde e sono melhores (Recompensa), mas para isso precisa se exercitar (Ação) e o melhor momento que você encontrou para fazer isso é depois de acordar (Deixa).


Logo, todos os dias quando você acorda, está ativando um gatilho para se exercitar e, após se exercitar, você percebe que está dormindo um pouco melhor, o que lhe dá mais disposição para se exercitar, permitindo um melhor aproveitamento do exercício, que lhe fará dormir melhor ainda, e assim por diante.



Após se acostumar com a rotina, o próprio ciclo se torna a recompensa. Ao tocar do despertador, você já se sente recompensado, pois agora está na hora de você se exercitar, que, neste momento, já se tornou algo prazeroso para você, pois agora pensar em "exercício" é a mesma coisa que pensar em "sono e saúde melhores", ou seja, pensar em qualquer etapa do ciclo, para você, se torna a mesma coisa que pensar na recompensa.


No Estado de Flow acontece quase a mesma coisa, sendo a única diferença: feedback positivo instantâneo.


Na rotina, você consegue transformar ação em recompensa em algumas semanas. No Estado de Flow você consegue em poucos segundos.


Condições para alcançar o Estado de Flow:


  • Saber o que fazer;

  • Saber como fazer;

  • Saber como você está indo;

  • Saber para onde ir;

  • Ter grandes desafios percebidos;

  • Ter altas habilidades percebidas;

  • Estar livre de distrações.


Gráfico do Estado de Flow:



Agora, partindo de um ponto de vista mais prático, o Estado e Flow acontece quando há um equilíbrio constante entre habilidade e desafio.



Quando você começa a jogar um jogo que é muito fácil, você perde o interesse. Isso acontece pois sua habilidade é baixa e o jogo nada faz para te ajudar a melhorar isso. Não existe feedback positivo nessa interação, pois você não aprende nada e nem tem estimulo para tal, visto que o jogo é fácil. Isso tira todo o propósito de jogar.


Agora, se você já passou muitas horas jogando e já tem uma habilidade alta, caso o jogo lhe apresente uma fase difícil, mas que suas habilidades são suficientes para superá-la, você se encontrará tão imerso neste desafio, que poderá dizer que está no Estado de Flow.


Essa relação entre Habilidade e Desafio é extremamente importante para que você consiga entrar no ciclo que proporciona o Estado de Flow.


E como usar isso na minha vida?


Você funciona como um algoritmo de Machine Learning. E quando digo você, não estou falando somente sobre o que você percebe como você (ego), mas sim sobre sua mente como um todo, sendo ela seu lado consciente e subconsciente (simplificando para fins didáticos).


Você define conscientemente seus objetivos, mas quem vai traçar os caminhos necessários para alcançá-lo é seu subconsciente. E a régua que o seu subconsciente usa para medir a eficiência dos caminhos que você está tomando é, justamente, o Estado de Flow.


Se você se sente frustrado ao tentar executar uma tarefa, você deve tentar se enquadrar no gráfico para descobrir o que lhe falta. Pode ser tanto falta de habilidade, quanto falta de desafio.


Ou seja, pode ser tanto um sentimento de "Eu tento, tento e tento, mas não consigo alcançar o objetivo", quanto o sentimento de "Eu já sei fazer isso até de olhos fechados. Qual é o propósito de continuar executando essa tarefa/jogando esse jogo?"


Ter essas informações em mente é crucial para conseguir manter hábitos. Pois com elas você identifica a raiz dos problemas e passa a trabalhar subconscientemente para que esse problema seja resolvido.


Como eu disse: definir objetivos é responsabilidade da consciência. Agora, traçar os caminhos necessários para alcançá-los, quando no Estado de Flow, é responsabilidade do subconsciente.


Então, deixe seu ego de lado e foque em alcançar o objetivo. Não fique na base do "eu acho que...", "não gosto de...", "o melhor caminho é...".


Você precisa deixar de lado seus gostos, suas concepções e seus achismos para que sua mente possa trabalhar sem impedimentos por parte da consciência.


E como usar isso para tornar meus jogos mais envolventes?


É claro que, na prática, seus jogos só se tornarão mais envolventes através da experiência (tentativa e erro). Mas, a fim de agilizar esse processo, podemos guiar nossas tentativas através de conceitos e teorias.


Saber o que é o Estado de Flow já é metade do caminho. Visto que ele é o mecanismo por trás das horas ininterruptas de jogatina. Agora, basta você (ou sua equipe) descobrir como implementar mecanismos de uma forma que seja condizente com o game design.


Bom, tendo em mente que as condições que tornam possível o Estado de Flow são essas:

  • Saber o que fazer;

  • Saber como fazer;

  • Saber como você está indo;

  • Saber para onde ir;

  • Ter grandes desafios percebidos;

  • Ter altas habilidades percebidas;

  • Estar livre de distrações.

Temos que descobrir como implementar essas condições no contexto do jogo, pois somente assim o jogador terá o ambiente adequado para entrar no Estado de Flow.


Para isso, discorrerei sobre cada um dos itens.


1. Saber o que fazer


É de suma importância que seja apresentado, ao jogador, o objetivo do jogo. Isso é o que separa os brinquedos e puzzles dos jogos.


Seja através de cutscene, texto, imagem, audio, não importa! O que importa é que você deve mostrar, ao jogador, as condições necessárias para a vitória.


O conceito chave aqui é: objetivo.


Objetivos devem ser significativos. Ou seja, quando alcançados, eles devem ter um impacto no universo do jogo. É inconcebível a ideia de um jogador derrotar um boss e nada mudar no contexto do jogo.


2. Saber como fazer


Lembre-se: Estado de Flow é um estado mental emergente que surge a partir da relação Desafio x Habilidade.


O item anterior define o desafio. Agora, este item define a habilidade.


Deve ser apresentadas, ao jogador, todas as ações possíveis de se executar no jogo antes que ele tenha que superar qualquer desafio real. Para isso que servem os tutoriais.


O jogador deve saber correr, pular, atacar, desviar de ataques (e etc...) antes de enfrentar um boss. Caso contrário, ele não terá a habilidade necessária para superar o desafio e se frustrará constantemente - até largar de vez o seu jogo.


Por mais chato e desinteressante que seja um tutorial, eles são necessários para uma boa progressão no jogo. Afinal, uma boa progressão é essencial para atingir o Estado de Flow.


Inclusive, tutoriais são desinteressantes por se situarem no nível mais abaixo e à esquerda no gráfico. Visto que o jogador, no início do jogo, tem pouca (ou nenhuma) habilidade, e os desafios do tutorial são fáceis.


O conceito chave aqui é: progressão.


Uma boa progressão define o ritmo de alternância entre Desafio e Habilidade no jogo. O jogador não pode demorar muito pra ter a habilidade necessária pra superar o desafio, e nem pode ter isso muito rápido.


3. Saber como você está indo


Aqui entra o feedback, um dos elementos mais importantes dos jogos.


Você precisa dizer, ao jogador, qual é o significado da ação dele no jogo.


Por exemplo: o jogador ataca o inimigo, que por sua vez toma 5 de dano. O jogador sabe que deu dano no inimigo? Ele esboçou alguma reação? Houve alguma representação de dano na hora?


Se, ao atacar um inimigo, não tem nenhuma animação, partícula, efeito visual, sonoro ou qualquer indicação de que a ação do jogador surtiu efeito no inimigo, o jogador não vai ter como saber se aquilo que ele planejou e executou deu certo ou não. Isso gera confusão, frustração e, por fim, a quebra da imersão.


O jogador precisa saber que a ação dele teve um significado dentro do jogo. Afinal, o jogo é uma mídia interativa; e interação é uma via de mão dupla: você comunica ao jogo que quer executar uma ação, o jogo comunica a você que a ação foi executada.


Caso não exista feedback, não existe interação. E assim, nada diferencia seu jogo de um filme (ou qualquer outra mídia não-interativa).


O conceito chave aqui é: feedback.


Feedback é informar, ao jogador, que a ação dele produziu significado dentro do jogo. Sem feedback não há jogo, há, no máximo, um sistema de regras.


4. Saber para onde ir


Ok, até aqui o jogador já sabe qual é o objetivo da missão/do jogo, ele já sabe as ações possíveis e quais são os impactos dessas ações no mundo do jogo.


Agora, o esse item é um pouco mais abstrato do que os anteriores.


Aqui estamos falando de saber qual é o próximo passo. O jogo deve ser capaz de deixar clara a progressão pela qual o jogador está passando. Pois assim ele consegue ter noção do que está por vir.


Caso o jogo não faça isso, o jogador terá, constantemente, a impressão de que cada fase/desafio poderia ser o final do jogo. Ou pior: que a fase não é importante para o desenrolar do jogo.


O senso de propósito só existe quando você tem bem claro na sua mente "eu fiz isso para liberar aquilo, para aí sim poder fazer aquela outra coisa".


O conceito chave aqui é: deixar o jogador ter noção do que está por vir.


Imagine que você está perto da hora de dormir e decide parar de jogar ao completar a fase do jogo novo que está jogando.


Ao completar, o ideal é que você tenha alguma ideia do que está por vir. Pois assim você consegue se motivar a continuar jogando no dia seguinte. Caso contrário, a possibilidade de você nunca mais abrir o jogo aumenta.


E, como designer de games, queremos que nosso jogo tenha a maior possibilidade possível de manter o jogador motivado a jogar novamente (fator replay).


5. Ter grandes desafios percebidos


O jogador precisa ser informado (de forma verbal ou não) do impacto que o desafio a ser enfrentado terá no jogo.


Uma batalha com um minion deve ter uma estética diferente de uma batalha com um boss. Pois os significados de cada uma são completamente diferentes da outra.


Ao saber que o impacto de um objetivo vai ser maior que do anterior, o jogador se sente mais motivado a superá-lo, pois sabe que os ganhos serão maiores.


6. Ter altas habilidades percebidas


Após superar um obstáculo, o jogador deve ser informado do aumento em sua habilidade.


Seja através de um acréscimo em seus pontos de XP, seja em moedas, status, ou qualquer outra coisa. O importante é ter uma representação no jogo para que o jogador saiba que está mais habilidoso do que antes. Caso contrário, perde-se o senso de propósito.


Informar ao jogador que ele está mais habilidoso cria a expectativa de que o próximo objetivo vai ser mais difícil de se alcançar. Dando, ao jogador, uma representação in-game de que ele está no caminho para o Estado de Flow.


7. Estar livre de distrações


“A habilidade de simplificar significa eliminar o desnecessário para que o necessário possa se manifestar.”

(Hans Hofmann)


Como um designer, você tem a obrigação de não poluir seu produto com muitas distrações.


Se seu jogo tem anúncios, não os coloque na mesma tela em que o jogador deve prestar atenção na história do jogo.


Estude composição e técnicas de representação gráfica, sonora e textual. Pois assim será capaz de reduzir os ruídos na comunicação entre jogo e jogador.


O jogador está disposto a focar no que o jogo quiser. Mas se o jogo não sabe direcionar esse foco, o próprio jogo estará tirando do jogador a possibilidade de entrar no Estado de Flow.


Claro que seu jogo não precisa ser 100% claro e objetivo, até porque isso é impossível. E, também, não pode ser 100% poluído. Encontre o equilíbrio entre objetividade/clareza em comunicar o jogador de algo e subjetividade/estética na hora de incluir coisas não essenciais a fim de proporcionar uma maior imersão no jogo.


Afinal, tudo é equilíbrio.

 

Referências

 

Ufa! Finalmente terminei este artigo.


Tenho que confessar que demorei para terminar, pois tive que pesquisar muito para trazer um conteúdo mais completo para você. E, no caminho, aprendi muitas coisas interessantes sobre Design, Games e Comunicação. E tomara que eu tenha conseguido repassar esse conhecimento de forma clara.


Enfim, tomara que você tenha gostado; e que tenha sido útil, afinal fazer jogos não é tarefa fácil.


Fique a vontade para ler o artigo anterior: "Design Iterativo: Como manter sua motivação durante um projeto?"


E, também, fique a vontade para ler os fichamentos que estou fazendo do livro "Regras do Jogo - Volume 1"


Muito obrigado pela atenção!


Deixe suas dúvidas aqui embaixo. Eu responderei o mais rápido possível.


 

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