No último artigo, falei sobre os 4 arquétipos de jogadores descobertos por Richard Bartle, um grande pesquisador de jogos e criador do primeiro MUD, gênero que deu origem aos MMOs.
Os arquétipos em questão são: o Conquistador, o Predador, o Socializador e o Explorador.
Neste artigo, portanto, estarei comentando sobre a relação entre os arquétipos e como buscar o equilíbrio entre eles em seu jogo.
Vale lembrar que, originalmente, o autor do artigo falava sobre MUDs - os precursores dos MMOs -, mas tudo o que foi dito também se aplica aos MMOs.
Introdução
Um MMO equilibrado é o que tem todos os quatro tipos de jogadores em equilíbrio.
Mas isso não quer dizer que os jogadores devem estar distribuídos em igual número dentre os arquétipos.
Quer dizer, na verdade, que a proporção de cada arquétipo, em seu jogo, se mantenha constante ao longo do tempo.
Ou seja, se o seu jogo é composto de 20% de Socializadores, 30% de Conquistadores, 25% de Exploradores e 25% de Predadores, por exemplo, essas proporções devem se manter constante ao longo do tempo.
Cada arquétipo tem expectativas acerca de seu jogo. Um Socializador, por exemplo, só permanecerá em seu jogo caso o mesmo lhe proporcione um meio agradável para socialização.
E, saber quais são as expectativas de cada arquétipo acaba se tornando uma ferramenta extremamente importante para se obter a proporção desejada.
E como saber qual é a proporção que eu desejo para meu jogo?
Bom, isso depende da proposta do jogo. Qual é a dinâmica que você quer para ele?
Um jogo como Call of Duty, preza mais por Predadores e Conquistadores, visto que os principais objetivos do jogo são matar os outros jogadores e adquirir habilidades extravagantes, como um "360 No-Scope" ou algo do tipo.
Poucos jogam Call of Duty querendo socializar ou explorar o mundo do jogo. O foco do jogo é, quase que exclusivamente, matar outros jogadores e ganhar novas habilidades, skins, troféus e etc...
Logo, o equilíbrio, para os desenvolvedores, se trata de como equilibrar a proporção de Predadores e Conquistadores de forma que um não afaste o outro.
Predadores querem destruir a experiência de outros jogadores, enquanto os Conquistadores buscam subir na hierarquia do jogo.
Se há muitos Predadores impedindo os Conquistadores de alcançar seus objetivos, os Conquistadores pararão de jogar.
Se os Conquistadores pararem de jogar, já não faz mais sentido os Predadores continuarem jogando, visto que sua presa favorita parou de jogar. Agora, os Predadores não conseguirão tirar mais ninguém do sério, tirando a graça do jogo para eles.
É como uma relação ecossistêmica!
E como encontrar esse ponto de equilíbrio?
O ponto de equilíbrio (onde o centro de gravidade de cada arquétipo reside no gráfico de interesses) pode variar enormemente; é responsabilidade dos administradores do jogo determinar onde ele recairá no gráfico.
E, para garantir que o ponto de equilíbrio esteja de acordo com os objetivos dos administradores, algumas estratégias podem ser utilizadas
Considere o gráfico de interesses:
Se considerado como um plano em equilíbrio, podemos manipulá-lo de diversas formas a fim de favorecer as diferentes áreas. Normalmente, isso acontece mediante a um custo para alguma outra área, mas não necessariamente.
Embora essa manipulação possa ser feita em qualquer linha do plano, inicialmente faz mais sentido dar mais atenção ao que acontece ao manipular as linhas coincidentes com os eixos Y (Agir-Interagir) e X (Jogadores-Mundo) do gráfico.
Então, vamos explorar o que acontece com um MMO quando favorecemos os diferentes extremos do gráfico:
Jogadores
Colocar a ênfase nos jogadores, ao invés de por no mundo do jogo, é fácil. Basta oferecer um sistema com muitas formas de se comunicar com os outros jogadores e pronto.
Mas, quanto maior for a ênfase colocada nos jogadores, maiores são as chances de o jogo deixar de ser um contexto para a comunicação e passar a ser mais uma rede social para se falar do mundo real do que um meio de comunicação para se falar sobre o mundo do jogo.
Quando chega neste ponto, toda a sensação de ser um personagem em outra realidade é perdida, perdendo o propósito de se estar jogando um jogo.
Mundo
Colocar a ênfase do jogo no mundo, ao invés de por a ênfase nos jogadores, também é fácil: é só construir um mundo tão grande e diverso para se explorar, que o jogador só encontrará outros jogadores muito raramente.
E, quando eles se encontrarem, as interações possíveis entre eles devem ser as mais restritas possíveis.
Embora isso possa servir como uma boa simulação, há perda de motivação implícita ao passo que qualquer jogador pode conseguir pontos para subir de nível sem que haja qualquer forma de competição e conflito com outros jogadores.
E qual é o ponto de se construir uma casa super legal no jogo, se não tem ninguém para você mostrá-la?
E mesmo que você encha seu jogo com inteligências artificiais numa tentativa de preencher o vazio social que esse mundo solitário proporciona, os jogadores ainda sentirão falta de participar de uma comunidade, de compartilhar coisas humanas como seu novo emprego, seu filho que acabou de nascer, dentre outras diversas coisas humanas que sentimos a necessidade de compartilhar com nossas comunidades.
Interação
Colocar a ênfase na interação, ao invés de por na ação, também pode ajudar muito.
Restringir a liberdade dos jogadores de escolher diferentes cursos de ação é a forma de implementar isso. Assim os jogadores terão que seguir uma narrativa ou um caminho previamente determinado.
O jogador se verá entretido, porém sem participar muito. Ele até sente que está em um mundo, mas num mundo onde ele está paralisado, com o menor poder de escolha possível.
Mesmo que isso possa ser uma boa forma de introduzir novos jogadores ao jogo, se os jogadores não puderem escolher seus cursos de ação, o que você tem não é um jogo.
Ação
Se o gráfico é redesenhado de forma a favorecer o "agir sobre", ao invés de favorecer o "agir com" (interagir), o jogo rapidamente se torna tedioso. Tarefas são executadas de forma repetitivas e sem propósito.
Se torna sempre monótono e sem novidades. E, quando há novidades, são do tipo "homem versus gerador de números aleatórios", sem um pano de fundo que sustente as ações.
Um MMO sem interação com o mundo do jogo ou sem interação com outros jogadores sustentando os cursos de ação do jogador não é um MMO.
Exemplos de Estratégias
Ênfase nos Jogadores ao invés do Mundo:
Adicionar meios de comunicação
Adicionar comandos de interação rápida ("Obrigado", "Solicitar Munição", "Vamos", "Retirada", etc)
Tornar os meios de comunicação existentes mais intuitivos
Diminuir o tamanho do mundo
Aumentar a conectividade entre as áreas do mundo
Maximizar o número de jogadores simultâneos
Ênfase no Mundo ao invés dos Jogadores:
Apenas meios de comunicação básicos
Pouca interatividade entre jogadores
Maximizar o tamanho do mundo
Usar apenas conexões, entre as áreas, coerentes com o universo do jogo
Ênfase na Interação ao invés da Ação:
Prover informações vagas para o jogador
Dicas enigmáticas para quando o jogador não souber o que deve fazer
Maximizar o feedback nos comandos de interação
Sistema de níveis/classes básico
Diminuir recompensa por conquistas
Ênfase na atmosfera e história em cada área do jogo
Ter vários puzzles pequenos fáceis de resolver
Ênfase na Ação ao invés da Interação:
Prover um bom tutorial de introdução ao jogo
Aumentar a recompensa pelas conquistas
Ter um sistema de níveis/classes complexo
Puzzles complexos e difíceis de completar
Muitos comandos relacionados a combate
Buscando o Equilíbrio
Agora que sabemos quais são os extremos possíveis e algumas estratégias, podemos começar a combinar essas estratégias para encorajar ou desencorajar certos estilos de jogo.
Para encorajar Conquistadores, por exemplo, seria interessante introduzir um sistema complexo de níveis/classes, pois assim terão muitas chances de se sentirem recompensados pelo tempo investido no jogo, assim como também seria interessante maximizar o mundo do jogo, pois assim teriam mais coisas a serem conquistadas.
A "experiência" em MMO varia de acordo com os jogadores e suas posições no gráfico. A média dessas posições pode ser calculada a fim de se descobrir centro de gravidade aproximado do jogo.
Também é possível fazer, simultaneamente, duas mudanças que tem efeitos opostos, de forma a mudar a experiência de alguns jogadores, sem mudar a experiência geral do jogo para os outros.
Por exemplo, adicionar puzzles complexos e difíceis (para enfatizar Ação), ao mesmo tempo que adiciona puzzles simples (para enfatizar Interação), encorajaria tanto os jogadores pró-ação quanto os jogadores pró-interação, ao mesmo tempo que o centro de gravidade do MMO se manteria no mesmo lugar. A experiência geral se manteria a mesma, mas tornaria as experiências muito mais ricas, o que até poderia aumentar a base de jogadores.
Conclusão
Cada arquétipo de jogador tem um conjunto de expectativas com relação ao seu MMO.
Por exemplo: Socializadores esperam que o jogo seja um bom ambiente para se socializar, Predadores esperam que tenham muitos jogadores para eles matarem/destruírem, Conquistadores esperam que o jogo tenha bons desafios a serem superados e um bom sistema de recompensas e, por último, os Exploradores esperam que o jogo tenha muitas áreas e mecânicas interessantes para serem exploradas.
A fim de conciliar todas essas expectativas com a proposta do jogo - e com os interesses dos desenvolvedores - , pode-se usar o gráfico de interesses para manipular o contexto do jogo, a fim de favorecer ou desfavorecer determinados arquétipos e comportamentos.
Agora, também é muito importante medir o efeito que a presença - ou a falta dela - de certos tipos de jogadores causa no contexto do jogo. E isso pode ser usado para se controlar o tamanho relativo de cada tipo de jogador no jogo.
A forma mais fácil, porém mais tediosa, de se medir os efeitos das interações entre os arquétipos é enumerar todas as combinações possíveis e os considerar independentemente.
Mas isso é um assunto para um próximo artigo.
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